Sr. Primeiro-Ministro,
Quando eu nasci, já lá vão 65 anos, sei que os tempos
eram difíceis. Tinha acabado uma guerra e os tempos que lhes seguem são sempre
maus.
A minha mãe lembro-me bem, engomava e cozinhava a carvão.
Mais tarde veio o petróleo e ela fazia questão de ter o fogareiro bem
brilhante. As minhas mãos ficaram muitas vezes sujas desse trabalho de limpeza.
A minha avó primeiro e depois o meu avô ficaram acamados
e não havia máquinas de lavar roupa nem fraldas descartáveis.
Não havia frigorifico e portanto todos os dias a minha
mãe subia a Rua do Alecrim vinda da Ribeira com os alimentos necessários para
todos.
O meu pai trabalhava duramente, muitas horas e por vezes
ia para as nossas ex-Colónias porque lá não havia técnicos para arranjar os
aparelhos que se avariavam nos hospitais. Eu morria de saudades dele, bem
pequena ainda, olhava os aviões e perguntava, quando vem o pai...
Mas eu cresci e a vida lentamente foi mudando.
Finalmente a minha mãe teve uma máquina de lavar roupa,
um fogão a gás, um frigorífico. Os avós morreram, primeiro a avó depois o avô e
eu ainda ganhei um irmão.
Já andava na escola e lembro-me bem desse dia onde toda a
classe cantou os parabéns. Adorava o meu irmão tal como ainda hoje.
Quando saí da instrução primária o meu pai mandou-me para
a secundária. Sabe naquele tempo havia meninos e meninas que aos dez anos iam
trabalhar mas o meu pai não me deixou ir.
A vida melhorava aos poucos a televisão era vista em casa
dos amigos aos fins-de-semana. Sim, porque a televisão tardou a ser comprada lá
em casa e era a preto e branco enquanto a vida ia ganhando cores mais alegres e
menos cinzentas.
Nunca bebi, nunca me meti em drogas, nunca fumei, nunca
frequentei consertos de Verão. Nem eu nem o meu irmão.
O meu pai já partiu mas a minha mãe tem 92 anos e ainda
vive com a reforma que o meu pai lhe deixou e a ajuda do meu irmão e a minha.
Cresci, estudei, tirei um curso técnico e ensinaram-me
que todos devíamos respeitar os valores da nossa Pátria e nela ter orgulho. E
eu tinha! Ensinaram-me a respeitar os idosos, a dar-lhes o lugar no eléctrico,
a dar os bons dias, a dizer por favor e muito obrigada. Disseram-me ainda que
devíamos ter orgulho nos nossos Pais, amar todos os homens como irmãos.
Obrigaram-me a frequentar a catequese e a fazer a primeira comunhão. É que eu
ainda vivi em ditadura...
Chegou a altura de casar e fi-lo sem gastar um tostão aos
meus pais. Fi-lo com o dinheiro que ganhei, que meus pais nunca me aceitaram
nada que fosse, para que eu casasse com o meu enxoval de princesa. A vida
estava melhor mas mesmo assim durante uns tempos vivi com os meus pais e o meu
irmão até conseguir alugar uma casa.
Vivia horrorizada a pensar que o meu irmão podia ir para
as ex-Colónias numa guerra que não me dizia nada mas que servia interesses
vários... O meu marido tinha lá estado e ainda hoje sofre de stress pós-traumático...
Vivi o 25 de Abril com alegria, com sensação de
liberdade, de poder falar sem medo do parceiro do lado. Vivi a alegria da
libertação dos presos políticos e pensei que a ditadura tinha acabado para
sempre.
Mais tarde acabei por comprar a casa que tinha alugado e
depois trocar por outra um pouco maior porque a família cresceu. Por sinal
somos vizinhos mas não tenho orgulho nenhum nisso.
Pedi um empréstimo ao Banco, coisa difícil naquela
altura, mas foi o único empréstimo que pedi na vida e paguei tudo até ao último
centavo. Com tudo isto quero eu dizer que nem eu nem a minha família alguma vez
viveu acima das suas possibilidades.
Ao meu filho dei um curso superior numa Universidade
tornando-o um cidadão útil ao País. Dei-lhe um carro que paguei a pronto para
ele se fazer à vida. Transmiti-lhe os meus valores e ele quinze dias depois de
terminar o curso estava a trabalhar num hospital, sem cunhas nem favores que eu
não conheço Ministros. Mal pago é certo mas ele anda em frente como eu o fiz.
Eu trabalhei 44 anos no privado, fiz muitas horas extras
que nunca me foram pagas por inerência das minhas funções, descontando, eu e as
minhas entidades patronais catorze vezes por ano, reformando-me aos 63 anos sem
penalização mas com uma taxa de sustentabilidade para a Segurança Social
introduzida na altura do Governo Sócrates.
Porquê esta cantilena numa carta que lhe dirijo? É que o
senhor não viveu neste tempo e parece odiar quem teve estes sofrimentos...
Pensei eu, ingénua ainda, que finalmente ia poder fazer o
que gosto, ver outras caras, outros modos de vida porque a nossa mente deve
estar aberta para tudo o que é novo e devemos evoluir.
Afinal Sr. Primeiro-Ministro estava enganada.
Bastou vir o seu Governo, que se curva perante uma
Alemanha (que continua nazi na minha opinião), para eu passar a fazer parte
da peste grisalha como se tivesse lepra e fosse um alvo a abater. Curiosamente
lá o Tribunal deles considera as pensões propriedade privada!
Bastou chegar a Madame Christine Lagarde a dizer
que há velhos a mais no Mundo, o que é um verdadeiro drama, esquecendo-se que
se não morrer também lá chega e nessa altura espero, em nome de todos os
velhos, que não se esqueçam do que ela disse e lhe tratem da saúde.
E agora o seu Governo vem dizer que eu gastei acima das
minhas possibilidades? EU, Sr. Primeiro-Ministro? Em quê?
E agora Sr. Primeiro-Ministro? Esqueceu-se, isso eu sei,
das promessas eleitorais que fez? Pois, diz o seu amigo deputado, que se
não fossem as mentiras não se ganhavam eleições...
E o Sr. Primeiro-Ministro deixa que digam estas coisas e
concorda porque sempre me disseram que quem cala consente.
Agora acha bem o Sr. Primeiro-Ministro que me cortem na
minha pensão como querem e muito bem entendem, que me tirem os subsídios,
porque na verdade os tiram, com tanto imposto e eu nem tenha o direito de saber
quanto? Isto porque o Centro Nacional de Pensões não emite recibos para ninguém
e se o seu Ministro da Segurança Social fosse competente já tinha resolvido
esta questão que já lha coloquei directamente. Ele disse que ia resolver mas
não disse quando. Assim estão mais à vontade, eu é que me vejo aflita para
gerir as minhas contas porque nunca sei com o que conto...
E agora Sr. Primeiro-Ministro? Vem o Senhor no Pontal
dizer que até 2015 não trata mais da reforma da Segurança Social mas eu não acredito.
O Senhor falou do BES e da promiscuidade entre a política e os interesses do
capital mas esqueceu-se de falar no BPN. Eu pago o BPN, eu vou pagar o
BES que o pobrezinho do Dr. Ricardo Salgado não tem nada de seu, eu pago o seu
ordenado, o dos seus Ministros todos, os dos seus jovens recém-formados
especialistas (?), os Secretários de Estado, os Deputados, as vossas gasolinas,
os vossos carros, os vossos motoristas, os vossos seguranças, a vossa saúde, as
despesas do Sr. Presidente e da sua D. Maria a sua alimentação e também a da
sua família quando calha, as vossas viagens, as Fundações, os Observatórios de
tudo e de nada, as PPP, os altos funcionários do Banco de Portugal que não
fiscalizam nada, os vencimentos dos Juízes de todos os Tribunais que também
estudaram mal a Constituição, as viagens de Falcon, os submarinos com uma
história mal contada e tudo o mais que agora não me vem á cabeça e nada disto
eu posso declarar como dependente na minha declaração de IRS?
O Sr. Primeiro-Ministro não pode mandar que se faça
Justiça metendo na cadeia e acima de tudo PENHORAR os bens de todos os que
andaram a roubar, porque é de roubos que se trata, e levaram o meu País a esta
desgraça? Vão todos para casa de pulseira electrónica mas a mãe que rouba uma
lata de atum num supermercado para dar de comer ao filho vai presa. Vai,
digo-lhe eu que já evitei uma situação dessas pagando eu, acha bem?
Sabe que mais?
Eu gostava de saber a sua história de vida.
É como a minha e a dos meus Pais? Não é pois não? É que
eu acho que se fosse, o Sr. Primeiro-Ministro, não odiava tanto os velhos e os
funcionários públicos. Respeitava-os! Mas já duvido que saiba o que é
respeito... Porque já reparou que são sempre os mesmos a levar com os cortes e
com todas as palavras descabidas que se lembra de deitar boca fora? As
palavras também são agressões psicológicas que faz, ninguém lhe disse? Foram os
velhos e os funcionários públicos que deram conta do País? O Senhor sabe bem que
não.
A Segurança Social não é sustentável? Como é queria que
fosse se o Estado não paga a sua parte e investe em produtos de risco como fez
no BES, na divida pública e dali se paga acções humanitárias no Kosovo e tudo o
mais que muita gente nem sonha?
Há reformas muito altas de pessoas que não descontaram
para as ter dizem os senhores. Há pois há, olhe à sua volta que as vê logo! Na
Assembleia por exemplo... Há quem tenha de idade tanto como eu de descontos!
Porque, as restantes que há, são de pessoas que descontaram para isso durante
muito tempo e não serão muitas.
São as dos velhos, Sr. Primeiro-Ministro? Se são
explique-me muito explicadinho como se eu fosse muito burra!
E já agora explique-me porque é que eu se comprar barras
de ouro não pago IVA e se comprar um pacote de leite pago? Não que eu as
compre, que o dinheiro não dá, mas faz sentido?
E a natalidade, então quer que agora eu tenha filhos?
Pode lá ser! Mas já tive e cresceu, os seus não crescem? E vou ser penalizada
porque já não tenho um filho dependente? Porque lhe dei asas? Dependentes tenho
eu e muitos...
E por acaso sabe que há velhos (usando a vossa linguagem)
que têm pais ainda mais velhos com reformas pequeninas a quem têm que dar
apoio?
E por acaso sabe que há velhos que têm filhos no
desemprego e netos a cargo?
E por acaso conhece a dor dos pais que fizeram
sacrifícios para os seus filhos estudarem e que o Senhor mandou embora? Os seus
e os dos seus amigos foram? Não acredito, porque são os seus jovens
recém-formados especialistas que estão a estudar não sei o quê nos vossos
gabinetes... Mais o filho do Sr. Durão Barroso que entra no Banco de Portugal
porque tem uma grande experiência!
Sr. Primeiro-Ministro sabe um dia também vai ser velho e
eu tenho pena de cá não estar para ver, porque o Senhor vai ficar na história
como o homem que destruiu um Povo e um País que eu amava.
Tenho pena, muita pena mas já não gosto deste País porque
é um país que não respeita os seus velhos, os velhos que viveram uma guerra nas
ex-Colónias porque eram obrigados, que construíram as estradas, os hospitais,
as escolas, as Universidades onde os senhores estudaram, os Tribunais, o Povo
que lavrou a terra, tratou o gado que depois mandaram destruir e abater em
troca de nada. Povo que agora se deixa morrer nos hospitais sem meios, quando
lá chegam a tempo claro, porque por vezes são grandes as distâncias a percorrer
e morrem no caminho, sem a dignidade devida a um ser humano independentemente
da sua classe social.
Já não gosto deste País revoltado, nem destes políticos
que não sabem falar, não sabem escrever, não sabem ser HOMENS nem MULHERES!
Já agora, fique descansado, por enquanto tenho os
impostos em dia e não tenho nenhuma reforma milionária, o meu marido ainda
menos, por isso lhe digo por enquanto!
E sabe que mais? Eu sinto um sufoco imenso pelo futuro
que deixei de ter, por quem dorme debaixo da ponte, pelas crianças com fome,
por um Povo que já não ri e pelo tempo que perdi a escrever-lhe mas se o não
fizesse não dormia descansada! Este é o meu grito de revolta contra si e os
seus imberbes deputados e ministros que não sabem o que é a vida porque tudo
lhes foi dado de mão beijada. Não foi nada alcançado com esforço.
Sei que não vai ler esta carta porque é longa mas pode ser que algum desses seus garotos a leia e fique a pensar se é que sabem pensar o que também duvido...
Desculpe não dizer atentamente como me ensinaram mas eu
já nem o posso ver nem ouvir porque o Senhor destila ódio por todos os poros
contra os velhos que construíram este País que só serve aos ricos.
Virgínia
Machado
Contribuinte
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