quinta-feira, 12 de julho de 2012

A história de um crime





Hoje deu-me para as recordações. Recordações dos tempos em que imaginava o Mundo em tons de rosa, ignorando que as pessoas nem sempre são o que parecem.
Mas já dizia a minha avó que estamos sempre a aprender.
Aos 10 anos tinha decidido o rumo da minha vida tinha continuado a brincar com bonecas que ainda hoje adoro.
Quando acabei o curso aos 18 anos ofereceram-me na Escola um trabalho mas o meu Pai não me deixou aceitar. Queria que eu tivesse um período de descanso (meu querido Pai), o ordenado era, para a época, irrecusável mas nada o demoveu.
Arranjei trabalho uns meses mais tarde, acabava de fazer 19 anos.
Lá ia eu de eléctrico todos os dias para o escritório, sentindo-me segura, já crescida e com responsabilidades. Verdade seja dita que desde o início os patrões confiaram inteiramente em mim. Em dia de pagamentos de vencimentos lá ia eu ao Banco buscar dinheiro vivo para pagar ao pessoal. Às vezes a mala mal fechava. Obviamente que isto era impensável nos dias de hoje, quer pela evolução do modo de trabalhar, quer pelo perigo que isso representaria. Já naquele tempo a minha mãe me recomendava. vê lá tem cuidado, tanto dinheiro, vê lá se te assaltam!
A Empresa vendia material para fecho de embalagens e começou a crescer. Tornou-se necessário arranjar um empregado de armazém que fizesse as cargas e descargas. Naquela altura não havia cunhas, punham-se anúncios e escolhia-se ficando-se à experiência. Umas vezes dava certo, outras não.
A partir daqui tenho que vos dizer que a história e todos os acontecimentos por mim narrados são verdadeiros apenas os nomes são fictícios, por razões óbvias.
O rapaz admitido era um jovem magro mas com grande força, sempre a brincar, sempre a rir, a contar anedotas. O Rui dava conta do serviço no armazém na perfeição. Tudo ficava arrumado em condições e estava sempre pronto para fazer um recado ir comprar qualquer coisa que fosse preciso mesmo que fosse a nível pessoal.
O Rui tinha uma namorada nas Caldas da Rainha onde ele ia regularmente passar o fim-de-semana. Os pais do Rui estavam emigrados e ele vivia com uma avó com quem parecia ter uma boa relação.
Não me lembro como, mas a Ana namorada do Rui, começou a escrever-me e assim fomos mantendo uma amizade. Eu dizia-lhe que ele era um grande brincalhão mas bom rapaz e que os patrões gostavam dele.
Ele era realmente assim e estava sempre na brincadeira com as moças, incluindo comigo, mas nunca sendo incorrecto. Eu dizia-lhe que ou ele se portava bem ou contava tudo à Ana. Ele ria, dizia mais uma graça e assim foi correndo o tempo.
Oportunamente teve o seu aumento de vencimento, aliás merecido, ficou feliz, trabalhava imenso até ter tudo arrumado embora eu por vezes o mandasse parar um bocado para descansar.
Um dia percebi que já não ia às Caldas da Rainha todas as semanas e acabei por perceber que ele se andava a divertir pela zona do Cais do Sodré e que andava namoriscando uma outra rapariga, a Luísa.
Não disse nada à Ana mas fiz-lhe mil e uma recomendações sobre um lugar muito pouco recomendável na época. Ele dizia-me que não havia perigo porque era da Ana de quem ele gostava e sabia defender-se das más companhias. Confiei nas palavras dele.
O tempo foi passando assim sem alteração que algum de nós desse conta.
Um dia de manhã disse-me que se ia embora, e que se ia despedir. Pensei que fosse emigrar para junto dos pais mas ele disse apenas que não, que tinha em vista uns negócios...
Falou com os patrões que o tentaram demover oferecendo-lhe inclusivamente um novo aumento na dedução que iria trabalhar para outro lado. Foi inútil a insistência.
Ainda tentaram ver se eu sabia algo sobre o assunto mas acabaram por ter que aceitar que eu também não sabia nada.
E assim o Rui se foi embora.
A Ana ainda escreveu algumas vezes mas repentinamente parou. Insisti, perguntei o que tinha acontecido, se estava doente e nada de resposta. Acabei por desistir também pensando que tinham acabado o namoro e ela não queria mais falar no assunto.
Uns anos mais tarde eu estava de férias no Algarve em pleno Verão. Subia a rua lentamente e passei pela loja das revistas e jornais. Dei um relance sem parar o meu caminho e de repente paro, fico a pensar e volto atrás.
O meu marido perguntou-me: O que foi? A cabeça só me dizia não, não pode ser, não pode mesmo…
Não consegui responder à pergunta, peguei no dinheiro e fui comprar o Diário de Noticias.
Olhava e não queria acreditar só queria chegar a casa e ler a notícia toda. Ver os nomes, que as alcunhas já eu as tinha visto, e era demasiada coincidência. A foto na primeira página não tinha grande qualidade e tinham-se passado uns anos.
Tristemente era verdade. O Rui estava a ser julgado com a sua companheira Luísa com quem havia feito um pacto de sangue e juras de amor eterno pelo assassínio de um motorista de táxi. Produto do roubo trezentos e tal escudos.
Rui e Luísa viviam grandes ilusões, cenas de ciúme e de novelas, em quartos alugados e passeios da prostituição entre o Bairro Alto e o Cais do Sodré fazendo roubos em transportes nas horas de ponta.
Não só, ele roubou armas do Arsenal, e como o motorista não morreu de imediato ainda teve a “bondade” de disparar mais uns quantos tiros para acabar o “trabalho”, demonstrando uma enorme frieza.
As férias não voltaram a ser as mesmas, na minha cabeça só havia uma pergunta como era possível aquele rapaz ter entrado naquela vida, ter seguido aquele rumo?
Durante muito tempo guardei o recorte do jornal. Condenado à pena máxima de 28 anos de prisão por cúmulo de actos vários. Ela porque era menor à altura dos acontecimentos teve também a pena máxima que se lhe podia aplicar por cumplicidade.
Já não guardo o recorte do jornal mas guardo a foto da Ana. Guardo na minha cabeça a interrogação, o porquê ainda sem resposta.
Tudo isto aconteceu em 1974 e deu mais tarde lugar a um filme cujo nome eram as duas alcunhas.
Um dia deitei-me às 2 horas da madrugada porque passava o filme na Televisão e eu queria entender, ver se dali eu tirava alguma explicação.
Ainda hoje não percebo. Não sei o que lhes aconteceu depois da pena cumprida.
Também não sei porque me lembrei de vos contar esta história agora.


Nota: Foto retirada da Internet

3 comentários:

José Catalo disse...

Gostei de ler.

Joaquim Leiras disse...

Gostei de ler.... a Virgínia escreve muito bem...continue por favor!....

Maria Virgínia Machado disse...

Obrigada pelos vossos comentários. Acho que o porquê continuará para sempre a ser uma interrogação na minha cabeça.