segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A história de duas chávenas ou a morte de uma avó…




Eu gostava muito da minha avó. Comigo ela era muito doce, contava histórias e brincava comigo. Foi assim até ficar doente mas desse dia nada está gravado nas minhas memórias.

Antes disso ela ensinou-me a pregar botões nas calças do meu avô. Era uma mulher alta, seca e amarga. A vida tinha-lhe sido muito dura mas isso são coisas para contar noutra altura.

Lembro-me dela como se fosse hoje. Ela esteve doente em casa durante muito tempo, acamada e sem falar.

Não me deixavam ir muitas vezes ao qualquer dela. Na verdade ela estava imóvel, não me respondia e portanto, poupavam-me esses momentos.
Um dia, em Dezembro, eu ainda tinha cinco anos, ouvi a minha mãe dizer para o meu pai que ela me estava a chamar como fazia anteriormente e que seria melhor levar-me lá. Eu ouvi, claramente e por três vezes Nina, ó Nina, Nina… 
 
O meu pai levou-me pela mão, mandou-me beijá-la, o que eu fiz e retirou-me do quarto. Pegou em mim e levou-me para casa do meu avô materno onde eu não era esperada mas sempre bem recebida.

Disseram-me que a avô estava doente mas logo o meu pai me iria buscar. Eu acreditei, ela até tinha chamado por mim! Estaria melhor com certeza pois se há tanto tempo não me chamava!

O avô brincou comigo, um jogo com umas bolinhas que não faço a mínima ideia o que fosse, mostrou-me os coelhos, as galinhas e as flores que a madrasta da minha mãe tinha no quintal.

Lembro-me perfeitamente do jantar, ou parte dele, sopa de caldo verde. Comi em silêncio mas parecia-me que havia um ambiente pesado.

Chegou a hora de ir para a cama e fizeram-me a cama no quarto do avô e aconchegaram-me muito bem. Eu fiquei quentinha, muito sossegada mas atenta.

Ouvi a D. Emília, assim se chamava a madrasta da minha mãe, dizer ao meu avô que a avó já tinha morrido. Ele recomendou cuidado porque eu podia estar acordada. Ela respondeu-lhe que não e continuaram a conversa lamentando a vida difícil e triste da minha avó.

Eu não conseguia adormecer. Meti a cabeça debaixo dos cobertores e chorei baixinho até eles apagarem a luz. Chorei bastante até que finalmente adormeci.

Quando me acordaram disseram-me para ir à casa de banho, fazer a minha higiene porque o meu pai me vinha buscar depois de almoço.

Assim fiz mas estava muito mal disposta. Comecei a sentir vontade de vomitar. Não chamei ninguém e de repente vomitei todo o jantar. Ali estava ele inteirinho! Podia ver o caldo verde ali todo aos bocadinhos! Mas e agora?

Era preciso limpar tudo para ninguém dar por isso.

Fiz o melhor que pude e pelos vistos bem, que ninguém deu por nada! Eu era só uma garotinha cheia de desgosto e a um mês  exacto de fazer 6 anos.

Quando o meu pai me veio buscar disseram-lhe que eu tinha comido e dormido bem…

Fizemos o caminho para casa quase em silêncio e acho que o meu pai apenas me perguntou se eu tinha gostado de estar com o avô.

Naquele tempo as pessoas eram veladas em casa. Cheguei à sala de jantar e pareceu-me tudo muito escuro. A mesa ao meio da sala estava aberta e havia muitas cadeiras à volta.

Levaram-me ao quarto da avó e aí perante a cama vazia disseram-me que a avó tinha partido para o Céu mas tinha deixado umas coisas para mim.

É preciso esclarecer aqui que a avó tinha viajado bastante para a época e que tinha duas chávenas de café, que eu vá-se lá saber porquê, adorava. Tinham em mim um fascínio delirante. Também tinha uma outra coisa feita de fita de seda entrançada que diziam era para guardar os lenços de assoar.

Então disseram-me que uma daquelas chávenas era para mim para eu guardar e ter muito cuidado em não partir. A peça de fita de seda seria para eu guardar os meus lenços.

Não chorei, que me lembre. Estava triste mas ao mesmo tempo feliz por a avó me ter mandado dar a chávena. Pensava eu, claro! Certo ou errado nunca o saberei…

Passaram-se alguns dias, eu continuava triste, a sala já estava arrumada, houve umas mudanças de sítios de algumas coisas até que o irmão do meu pai me chamou.

Ele era muito meu amigo e sendo um pouco mais novo que o meu pai era quem mais brincava comigo.

Inesperadamente disse-me: Vou dar-te a outra chávena da avó mas tu prometes que não as partes e és uma boa menina quando fores para a escola.

Eu cumpri a promessa. As chávenas continuam intactas.

Fui uma boa aluna mas às vezes detenho-me a pensar como é que uma miúda de 5 anos reagiu assim e nunca contou nada a ninguém…

Já se passaram mais de 55 anos sobre a história… 
 
 



4 comentários:

calhabécirculação disse...

Bonito!
As chávenas foram guardadas cuidadosamente durante muitos anos, estão intactas e preparadas para passarem à geração seguinte. É assim a vida.
Pedro Martins

Dário Chaves disse...

Só tu para me fazeres chorar!
As chávenas são lindas e não me lembro delas... Bem que me podias convidar para um cafezito nelas...

Maria Virgínia Machado disse...

Outra vez!
Fica combinado que no próximo almoço cá em casa usamos as chávenas os dois. É que eu nunca as usei com medo de partir! A avó esteja onde estiver vai ficar contente!
Beijos Mano.

Maria Virgínia Machado disse...

E a promessa foi cumprida Mano... A avó deve ter-se rido e deve ter gostado porque ela, se te tivesse conhecido ia gostar de ti...