quinta-feira, 31 de julho de 2014

Carta aberta ao Primeiro Ministro ou... Como eu deixei de gostar do meu País...


Sr. Primeiro-Ministro,

Quando eu nasci, já lá vão 65 anos, sei que os tempos eram difíceis. Tinha acabado uma guerra e os tempos que lhes seguem são sempre maus.
A minha mãe lembro-me bem, engomava e cozinhava a carvão. Mais tarde veio o petróleo e ela fazia questão de ter o fogareiro bem brilhante. As minhas mãos ficaram muitas vezes sujas desse trabalho de limpeza.
A minha avó primeiro e depois o meu avô ficaram acamados e não havia máquinas de lavar roupa nem fraldas descartáveis. 
Não havia frigorifico e portanto todos os dias a minha mãe subia a Rua do Alecrim vinda da Ribeira com os alimentos necessários para todos.
O meu pai trabalhava duramente, muitas horas e por vezes ia para as nossas ex-Colónias porque lá não havia técnicos para arranjar os aparelhos que se avariavam nos hospitais. Eu morria de saudades dele, bem pequena ainda, olhava os aviões e perguntava, quando vem o pai...
Mas eu cresci e a vida lentamente foi mudando.
Finalmente a minha mãe teve uma máquina de lavar roupa, um fogão a gás, um frigorífico. Os avós morreram, primeiro a avó depois o avô e eu ainda ganhei um irmão.
Já andava na escola e lembro-me bem desse dia onde toda a classe cantou os parabéns. Adorava o meu irmão tal como ainda hoje.
Quando saí da instrução primária o meu pai mandou-me para a secundária. Sabe naquele tempo havia meninos e meninas que aos dez anos iam trabalhar mas o meu pai não me deixou ir. 
A vida melhorava aos poucos a televisão era vista em casa dos amigos aos fins-de-semana. Sim, porque a televisão tardou a ser comprada lá em casa e era a preto e branco enquanto a vida ia ganhando cores mais alegres e menos cinzentas.
Nunca bebi, nunca me meti em drogas, nunca fumei, nunca frequentei consertos de Verão. Nem eu nem o meu irmão. 
O meu pai já partiu mas a minha mãe tem 92 anos e ainda vive com a reforma que o meu pai lhe deixou e a ajuda do meu irmão e a minha.
Cresci, estudei, tirei um curso técnico e ensinaram-me que todos devíamos respeitar os valores da nossa Pátria e nela ter orgulho. E eu tinha! Ensinaram-me a respeitar os idosos, a dar-lhes o lugar no eléctrico, a dar os bons dias, a dizer por favor e muito obrigada. Disseram-me ainda que devíamos ter orgulho nos nossos Pais, amar todos os homens como irmãos. Obrigaram-me a frequentar a catequese e a fazer a primeira comunhão. É que eu ainda vivi em ditadura...
Chegou a altura de casar e fi-lo sem gastar um tostão aos meus pais. Fi-lo com o dinheiro que ganhei, que meus pais nunca me aceitaram nada que fosse, para que eu casasse com o meu enxoval de princesa. A vida estava melhor mas mesmo assim durante uns tempos vivi com os meus pais e o meu irmão até conseguir alugar uma casa. 
Vivia horrorizada a pensar que o meu irmão podia ir para as ex-Colónias numa guerra que não me dizia nada mas que servia interesses vários... O meu marido tinha lá estado e ainda hoje sofre de stress pós-traumático...
Vivi o 25 de Abril com alegria, com sensação de liberdade, de poder falar sem medo do parceiro do lado. Vivi a alegria da libertação dos presos políticos e pensei que a ditadura tinha acabado para sempre.
Mais tarde acabei por comprar a casa que tinha alugado e depois trocar por outra um pouco maior porque a família cresceu. Por sinal somos vizinhos mas não tenho orgulho nenhum nisso.
Pedi um empréstimo ao Banco, coisa difícil naquela altura, mas foi o único empréstimo que pedi na vida e paguei tudo até ao último centavo. Com tudo isto quero eu dizer que nem eu nem a minha família alguma vez viveu acima das suas possibilidades.
Ao meu filho dei um curso superior numa Universidade tornando-o um cidadão útil ao País. Dei-lhe um carro que paguei a pronto para ele se fazer à vida. Transmiti-lhe os meus valores e ele quinze dias depois de terminar o curso estava a trabalhar num hospital, sem cunhas nem favores que eu não conheço Ministros. Mal pago é certo mas ele anda em frente como eu o fiz.
Eu trabalhei 44 anos no privado, fiz muitas horas extras que nunca me foram pagas por inerência das minhas funções, descontando, eu e as minhas entidades patronais catorze vezes por ano, reformando-me aos 63 anos sem penalização mas com uma taxa de sustentabilidade para a Segurança Social introduzida na altura do Governo Sócrates.
Porquê esta cantilena numa carta que lhe dirijo? É que o senhor não viveu neste tempo e parece odiar quem teve estes sofrimentos...
Pensei eu, ingénua ainda, que finalmente ia poder fazer o que gosto, ver outras caras, outros modos de vida porque a nossa mente deve estar aberta para tudo o que é novo e devemos evoluir.
Afinal Sr. Primeiro-Ministro estava enganada.
Bastou vir o seu Governo, que se curva perante uma Alemanha (que continua nazi na minha opinião),  para eu passar a fazer parte da peste grisalha como se tivesse lepra e fosse um alvo a abater. Curiosamente lá o Tribunal deles considera as pensões propriedade privada!
Bastou chegar a Madame Christine Lagarde a dizer que há velhos a mais no Mundo, o que é um verdadeiro drama, esquecendo-se que se não morrer também lá chega e nessa altura espero, em nome de todos os velhos, que não se esqueçam do que ela disse e lhe tratem da saúde.
E agora o seu Governo vem dizer que eu gastei acima das minhas possibilidades? EU, Sr. Primeiro-Ministro? Em quê? 
E agora Sr. Primeiro-Ministro? Esqueceu-se, isso eu sei, das promessas eleitorais que fez?  Pois, diz o seu amigo deputado, que se não fossem as mentiras não se ganhavam eleições...
E o Sr. Primeiro-Ministro deixa que digam estas coisas e concorda porque sempre me disseram que quem cala consente.
Agora acha bem o Sr. Primeiro-Ministro que me cortem na minha pensão como querem e muito bem entendem, que me tirem os subsídios, porque na verdade os tiram, com tanto imposto e eu nem tenha o direito de saber quanto? Isto porque o Centro Nacional de Pensões não emite recibos para ninguém e se o seu Ministro da Segurança Social fosse competente já tinha resolvido esta questão que já lha coloquei directamente. Ele disse que ia resolver mas não disse quando. Assim estão mais à vontade, eu é que me vejo aflita para gerir as minhas contas porque nunca sei com o que conto...
E agora Sr. Primeiro-Ministro? Vem o Senhor no Pontal dizer que até 2015 não trata mais da reforma da Segurança Social mas eu não acredito. O Senhor falou do BES e da promiscuidade entre a política e os interesses do capital mas esqueceu-se de falar no BPN.  Eu pago o BPN, eu vou pagar o BES que o pobrezinho do Dr. Ricardo Salgado não tem nada de seu, eu pago o seu ordenado, o dos seus Ministros todos, os dos seus jovens recém-formados especialistas (?), os Secretários de Estado, os Deputados, as vossas gasolinas, os vossos carros, os vossos motoristas, os vossos seguranças, a vossa saúde, as despesas do Sr. Presidente e da sua D. Maria a sua alimentação e também a da sua família quando calha, as vossas viagens, as Fundações, os Observatórios de tudo e de nada, as PPP, os altos funcionários do Banco de Portugal que não fiscalizam nada, os vencimentos dos Juízes de todos os Tribunais que também estudaram mal a Constituição, as viagens de Falcon, os submarinos com uma história mal contada e tudo o mais que agora não me vem á cabeça e nada disto eu posso declarar como dependente na minha declaração de IRS?
O Sr. Primeiro-Ministro não pode mandar que se faça Justiça metendo na cadeia e acima de tudo PENHORAR os bens de todos os que andaram a roubar, porque é de roubos que se trata, e levaram o meu País a esta desgraça? Vão todos para casa de pulseira electrónica mas a mãe que rouba uma lata de atum num supermercado para dar de comer ao filho vai presa. Vai, digo-lhe eu que já evitei uma situação dessas pagando eu, acha bem?

Sabe que mais?
Eu gostava de saber a sua história de vida.

É como a minha e a dos meus Pais? Não é pois não? É que eu acho que se fosse, o Sr. Primeiro-Ministro, não odiava tanto os velhos e os funcionários públicos. Respeitava-os! Mas já duvido que saiba o que é respeito... Porque já reparou que são sempre os mesmos a levar com os cortes e com todas as palavras descabidas que se lembra de deitar boca fora? As palavras também são agressões psicológicas que faz, ninguém lhe disse? Foram os velhos e os funcionários públicos que deram conta do País? O Senhor sabe bem que não.
A Segurança Social não é sustentável? Como é queria que fosse se o Estado não paga a sua parte e investe em produtos de risco como fez no BES, na divida pública e dali se paga acções humanitárias no Kosovo e tudo o mais que muita gente nem sonha?
Há reformas muito altas de pessoas que não descontaram para as ter dizem os senhores. Há pois há, olhe à sua volta que as vê logo! Na Assembleia por exemplo... Há quem tenha de idade tanto como eu de descontos! Porque, as restantes que há, são de pessoas que descontaram para isso durante muito tempo e não serão muitas. 
São as dos velhos, Sr. Primeiro-Ministro? Se são explique-me muito explicadinho como se eu fosse muito burra!
E já agora explique-me porque é que eu se comprar barras de ouro não pago IVA e se comprar um pacote de leite pago? Não que eu as compre, que o dinheiro não dá, mas faz sentido?
E a natalidade, então quer que agora eu tenha filhos? Pode lá ser! Mas já tive e cresceu, os seus não crescem? E vou ser penalizada porque já não tenho um filho dependente? Porque lhe dei asas? Dependentes tenho eu e muitos...
E por acaso sabe que há velhos (usando a vossa linguagem) que têm pais ainda mais velhos com reformas pequeninas a quem têm que dar apoio?
E por acaso sabe que há velhos que têm filhos no desemprego e netos a cargo?
E por acaso conhece a dor dos pais que fizeram sacrifícios para os seus filhos estudarem e que o Senhor mandou embora? Os seus e os dos seus amigos foram?  Não acredito, porque são os seus jovens recém-formados especialistas que estão a estudar não sei o quê nos vossos gabinetes... Mais o filho do Sr. Durão Barroso que entra no Banco de Portugal porque tem uma grande experiência!
Sr. Primeiro-Ministro sabe um dia também vai ser velho e eu tenho pena de cá não estar para ver, porque o Senhor vai ficar na história como o homem que destruiu um Povo e um País que eu amava. 
Tenho pena, muita pena mas já não gosto deste País porque é um país que não respeita os seus velhos, os velhos que viveram uma guerra nas ex-Colónias porque eram obrigados, que construíram as estradas, os hospitais, as escolas, as Universidades onde os senhores estudaram, os Tribunais, o Povo que lavrou a terra, tratou o gado que depois mandaram destruir e abater em troca de nada. Povo que agora se deixa morrer nos hospitais sem meios, quando lá chegam a tempo claro, porque por vezes são grandes as distâncias a percorrer e morrem no caminho, sem a dignidade devida a um ser humano independentemente da sua classe social. 
Já não gosto deste País revoltado, nem destes políticos que não sabem falar, não sabem escrever, não sabem ser HOMENS nem MULHERES!
Já agora, fique descansado, por enquanto tenho os impostos em dia e não tenho nenhuma reforma milionária, o meu marido ainda menos, por isso lhe digo por enquanto! 
E sabe que mais? Eu sinto um sufoco imenso pelo futuro que deixei de ter, por quem dorme debaixo da ponte, pelas crianças com fome, por um Povo que já não ri e pelo tempo que perdi a escrever-lhe mas se o não fizesse não dormia descansada! Este é o meu grito de revolta contra si e os seus imberbes deputados e ministros que não sabem o que é a vida porque tudo lhes foi dado de mão beijada. Não foi nada alcançado com esforço.
Sei que não vai ler esta carta porque é longa mas pode ser que algum desses seus garotos a leia e fique a pensar se é que sabem pensar o que também duvido...
Desculpe não dizer atentamente como me ensinaram mas eu já nem o posso ver nem ouvir porque o Senhor destila ódio por todos os poros contra os velhos que construíram este País que só serve aos ricos.

Virgínia Machado

Contribuinte nº xxxxxxxxx




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