quarta-feira, 26 de novembro de 2014

26 de Novembro de 1956






Ao lado da porta do prédio onde eu morava com os meus pais e os meus tios havia uma loja de antiguidades. Ainda hoje existe embora com um aspecto diferente.

Além do dono da loja, esta era muito frequentada pelo Marquês de Pombal, homem grande, forte, que gostava de uma boa conversa e que, amigo da família, gostava de brincar comigo e saber como eu ía na escola. Era muitas vezes capaz de me sentar no colo e de me contar uma história.

Ao tempo a minha mãe estava grávida e eu queria há muito ter um irmão. Uma vez que naquela altura nunca se sabia o que ia nascer perguntavam-me sempre porque é que eu não queria uma irmã. 

Eu muito irritada explicava que queria um menino porque se fosse uma menina me estragava as minhas bonecas. 

Toda a gente tentava preparar-me para o eventual nascimento de uma menina e por vezes, quando me queriam ver arreliada,  diziam-me que seguramente era uma mana porque a minha mãe tinha a barriga com o feitio de uma menina. 


Num dia cinzento e chuvoso quando eu regressava da escola primária, tinha então sete anos e dez meses, resolveram pregar-me uma partida.


Lá estava o Sr. Santos e o Sr. Marquês de Pombal que me apanharam na curva e me chamaram: Anda cá, anda cá! Vai a correr que já tens lá em casa uma mana! É muito bonita!

Larguei-os logo com um NÃO QUERO aflito e subi a escada numa correria louca, sem olhar para trás. Se tivesse olhado teria percebido a malandrice.

Toquei à porta e veio abrir a minha tia que me viu sem folego e em pranto! Que foi que te aconteceu perguntou, alarmada. Por meio de soluços eu respondi: Tia eu não quero uma mana. Não Quero! E chorava, chorava...

Ó menina mas ainda não nasceu! E eu nada convencida disse-lhe: Ó tia mas o Sr. Santos e o Sr. Marquês disseram-me que eu já tinha cá uma mana muito bonita mas eu não quero!

Claro que a minha tia percebeu que me tinham pregado uma partida e fez tudo o que era possivel para me acalmar mas muito arreliada com a brincadeira. Não era para menos que eu não me calava! Lá me levou até ao berço para eu ter a certeza que ainda não havia bébé nenhum!

Quando o meu pai chegou a casa corri para lhe perguntar se já tinha nascido o bébé ao que ele, com um ar feliz, me disse que eu tinha um irmão! Foi a maior felicidade que eu tive até aquela idade e uma das maiores da minha vida até hoje!

Naquele tempo não deixavam as crianças ir à maternidade pelo que só vi o mano uns dias depois mas ele era lindo de morrer! Assim que chegava da escola ia a correr sentar-me na cama da minha mãe junto do berço e era aí que, sobre os joelhos eu fazia os trabalhos da escola.

Fazia questão de lhe mudar, e até lavar, as fraldas com a vigilância da minha mãe que não queria que eu as lavasse mas quando ela dava por isso já estava tudo num brinquinho!

Agora creio que me vão perguntar o que aconteceu às minhas bonecas! Claro que o deixei brincar com todas, furou a cabeça do meu Fernandinho que era o meu boneco preferido, brinquei com ele aos carrinhos, ajudei-o a montar Legos e amo-o muito. Como não tenho mais nenhum não sei se o poderia amar ainda mais, mas estou crente que não.

De vez em quando lá nos arreliamos especialmente porque ele não cuida da saúde convenientemente e isso é o que mais me custa e não lhe desculpo.

Tudo o resto corre às mil maravilhas e claro está que a minha tia ralhou com o Sr. Santos e o Sr. Marquês que já não pertencem a este Mundo há muito. Eu por mim acabei por lhes perdoar a partida.





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